Missa de beatificação de Irmã Dulce, no Parque de Exposições de Salvador, Bahia
O dia amanheceu com céu escuro e nuvens carregadas, mas um sol do tamanho do amor de Deus parecia brilhar no coração de Irmã Dulce. Era 7 de julho de 1980. Havia meio milhão de pessoas nas ruas de Salvador. O helicóptero vindo da Base Aérea enfrentou vento forte, mas pousou no Centro Administrativo da Bahia (CAB). O Papa João Paulo II estava aqui, prestes a celebrar uma missa campal. Foi recepcionado com berimbaus, atabaques e agogôs. O livro "Irmã Dulce dos Pobres" descreve aquela terça-feira como um dia em que freiras acomodaram-se em galhos de árvores, crianças fantasiaram-se de motivos religiosos, mulheres acenaram lenços brancos e jovens choraram de emoção!
Irmã Dulce alimentava uma paixão cristã pelo Papa mais carismático que se tinha notícia. Não perderia esse momento por nada. Nem por aconselhamento médico. A religiosa foi alertada em relação aos riscos que corria por conta da chuva. Com problemas no pulmão, a freira estava com a saúde muito fragilizada. Ela tomou uma chuva danada no CAB e acabou contraindo pneumonia. Quem poderia impedir Irmã Dulce de ver o papa? Questiona, sem ter uma resposta, o cirurgião Taciano Campos, que está nas Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) há 39 anos e é o atual diretor médico do Hospital Santo Antônio. Depois do encontro, a freira passaria 20 dias internada numa clínica cardiopulmonar. Mas, para ela, tudo valeria a pena.
Além de ser chamada para subir ao altar e receber a bênção especial do papa, Irmã Dulce foi aclamada pelo povo. Quase levada pela força do vento, mostrou que, em sua terra, era tão pop quanto o papa. Um médico, então residente do Hospital Santo Antônio, o anestesista Edmur Agostinho não foi ao evento, mas relata o momento em que ligou a TV para assistir à saudação popular ao papa e, em vez disso, viu o nome da freira baiana ser gritado. ?Acabei vendo o povo baiano aplaudindo e gritando:!. Doutor Edmur, porém, não se contentou e, à noite, ligou para a religiosa. Ela era a modéstia em pessoa. -" Doutor Edmur, fiquei tão envergonhada... Aquele povo todo gritando o meu nome..."
No rápido encontro, sem imaginar que um dia se tornariam Beatos aos olhos da Igreja, o papa e a freira pouco conversaram. Ela ouviu de sua santidade uma mensagem de incentivo e ganhou um presente. João Paulo tirou do bolso um objeto. Era um terço. Entregou-lhe e disse: - "Continue, Irmã Dulce. Continue..."
No relato da própria freira à sobrinha, Maria Rita, Irmã Dulce ficou muda de emoção, mas não houve mais diálogo.
No Aeroporto ...Ir ao CAB não foi a única peripécia da freira para estar com lo papa. Tomando vento e friagem, ela havia ido logo cedo ao então Aeroporto Internacional Dois de Julho. Quando o Santo Padre pisou em solo baiano, a freira tentou um primeiro contato. Como não foi colocada na lista de autoridades que cumprimentariam Sua Santidade na chegada, contou com a ajuda de um dos muitos padrinhos. No caso, o general Gustavo Moraes Rego. Mas, uma vez na fila, a freira não só cumprimentou o papa como lhe deu um abraço. Irmã Dulce sabia que teria de se esforçar para chegar perto do líder da Igreja. O cerimonial do papa não previa visita às obras da freira. Ele apenas passou bem perto, pela Avenida Bonfim, conhecida como Dendezeiros, em direção à comunidade dos Alagados, onde o Papa rezaria missa. Para se despedir, Irmã Dulce ainda iria novamente ao aeroporto. No último encontro, o Sumo Pontífice pareceu antever o problema que o médico já havia alertado. E, dessa vez, o "continue, Irmã Dulce" veio acompanhado: - "Continue, mas cuidado com sua saúde. Você precisa olhar um pouco mais para você!"
Talvez nem João Paulo II soubesse, mas o seu alerta em relação à saúde de Irmã Dulce era profético. Os pulmões frágeis não só se tornariam um problema grave para a freira, como fariam com que o próprio pontífice a reencontrasse, depois de 11 anos, no leito de morte. Segundo a biografia escrita pelo italiano Gaetano Passareli (Irmã Dulce, O Anjo Bom da Bahia), na segunda vez que veio ao Brasil, o Papa fez questão de oferecer a Irmã Dulce uma bênção particular. Em 20 de outubro de 1991, com o então arcebispo primaz Dom Lucas Moreira Neves, entrou no quarto transformado em UTI e apertou sua mão, mais magra do que nunca. Por ter sido submetida a uma traqueotomia, onde foi acoplado o aparelho de respiração artificial, Irmã Dulce teve dificuldades para falar. O Papa deu-lhe a benção apostólica e, antes de ir embora, virou-se para o Arcebispo. Disse-lhe uma frase de resignação, publicada no dia 15 de outubro, na mensagem dominical que dom Lucas escrevia no Jornal A Tarde. - Este é o sofrimento do inocente. Igual àquele de Jesus... Duas servas da caridade.
IRMÃ DULCE E MADRE TERESA DE CALCUTÁ
Em julho de 1979, Madre Teresa de Calcutá recebeu convite de dom Avelar para vir a Salvador fundar uma casa da Ordem Missionária da Caridade, no bairro de Alagados. Irmã Dulce quis conhecer a famosa religiosa, que receberia o Prêmio Nobel da Paz naquele ano. Com dificuldades para manter as obras, Irmã Dulce chegou a oferecê-la para a colega, que, de acordo com o que publicou o Jornal Tribuna da Imprensa (RJ), recusou. - Eu desejo trabalhar para os pobres, mas sem a responsabilidade financeira.
Madre Teresa de Calcutá seria beatificada 18 anos depois de encontrar com Irmã Dulce. Morta em 5 de setembro de 1997, seu processo de beatificação foi concluído em 2003 e tornou-se o mais rápido da história. O próprio papa João Paulo II foi o responsável pela rapidez do processo.
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